Capítulo 4/ Capítulo 5

Capítulo 4


Minha mãe já devia ter voltado ao trabalho, meu pai nem entrou em casa, e isso significava que eu estava completamente sozinha. Melhor. Assim eu poderia arrumar meu quarto e dar algum jeito de conversar com minhas amigas. Eu precisava me distrair, e só elas poderiam fazer isso do jeito que eu realmente precisava.

E eu não tinha dúvidas de que elas conseguiriam fazer isso até mesmo por telefone, ou internet, se eu conseguisse instalar tudo sem a casa pegar fogo.

Quando joguei minha bolsa no sofá, um bilhete escrito em um pedaço de papel cor-de-rosa chamou minha atenção em cima da estante. Era um bilhete da minha mãe:

“Jullie,

Meu amor, não tive como te esperar voltar do colégio para almoçarmos juntas, então deixei a comida dentro do microondas. Se quiser comer outra coisa, tem dinheiro na caixinha da estante.”
Amassei o bilhete em uma bolinha e joguei-o dentro da minha bolsa. Eu não estava com uma fome mortal, e, além disso, eu queria terminar de fazer tudo que eu precisava antes de meus pais chegarem, provavelmente eles iam implorar um pouco da minha atenção.

Abri o armário da dispensa procurando algo fácil para comer, e me lembrei que minha mãe não tinha tido tempo de ir até o supermercado. Fui até a estante e balancei a caixinha de dinheiro que minha mãe havia citado no bilhete. Peguei um pouco de dinheiro e saí para procurar algum supermercado.

Andando com as mãos no bolso da jaqueta e observando a cidade, percebi uma movimentação totalmente diferente da cidade onde eu morava. Ainda estava claro, mas mesmo assim podia enxergar as luzes da cidade, que deviam chamar muita atenção durante a noite. Andei alguns minutos até que encontrei um supermercado. Não era muito grande, mas parecia estar adepto a venda de salgadinhos e refrigerantes.

Enquanto escolhia algum salgadinho para levar, uma voz que me parecia conhecida chamou meu nome:

“Jullie! Jullie! Aqui!”

Olhei para os lados até que vi Christofer do outro lado do corredor em que eu estava. Ele sorriu quando percebeu que eu estava olhando, e andou até mim.

“É, oi. Não vi você ir embora da escola, er... o que está fazendo aqui?”

Eu fiquei um pouco surpresa com a atitude dele de vir falar comigo. Na aula, quando Sierra veio conversar comigo acompanhada dele, não pude ouvir nem sua voz.

“ Ah é, meu pai estava me esperando já, então fui rápida. Vim procurar algo fácil para comer, hum... e Sierra?”

Perguntei já andando com um pacote de salgadinhos na mão em direção á uma geladeira com um emblema gigante da Coca-Cola. Ele continuou falando comigo, andando do meu lado.

“ Sierra? Ah, claro, acabei de deixá-la em casa e vim comprar uma coisa que minha mãe pediu. Mora perto daqui?”

Abri a porta da geladeira e peguei uma garrafa de refrigerante. Ele segurou a porta da geladeira enquanto eu ficava na ponta dos pés para alcançar a garrafa.

Continuamos andando em direção aos caixas e ele estava com as mãos vazias.

“Sim, não moro muito longe, alguns minutos, e ainda vim andando, então... Ei, não ia comprar algo para sua mãe?”

Ele arrumava a franja com o máximo de cuidado para não bagunçá-la, e sorriu com a minha pergunta.

“ É, então, procurei aqui mas eu não achei o que ela quer. Ela vai ter que ir buscar em outro lugar depois, não to afim de ir andando até o outro supermercado, super longe daqui.”

Assenti com a cabeça e passei as minhas coisas no caixa, enquanto ele educadamente empacotava. Paguei, tendo a sorte de o dinheiro ter dado o valor certinho das compras. Saí do supermercado, e Christofer andava do meu lado segurando as sacolas até que eu percebesse e fosse pega-las das mãos dele.

“Dá aqui, pode deixar, obrigada. Christofer, né?”

Ele me deu apenas a sacola dos salgadinhos e ficou com a garrafa de refrigerante.

“ Eu levo essa, ok?”

“Hum... não precisa, mesmo. Mas tudo bem, você pode ficar feliz com isso, então...” Sorri de leve e quando me dei conta de que ele estava indo comigo, me acompanhando até minha casa, fiquei um pouco sem graça. Afinal, não fazia mais de horas que eu havia conversado com a namorada dele. Sim, a namorada dele. Fiquei pensando se estar andando com o namorado dela poderia ser estranho, nesse lugar estranho, até que ele interrompeu:

“E ai, o que achou da escola?”

Sem olhar para ele eu respondi, andando com a alça da sacola pendurada em meu pulso, com as mãos nos bolsos.

“Ah, normal.”

“Normal? Perai, achou aquela escola normal?”

Ele deixou um riso escapar enquanto terminava de falar.

“É, acho que sim. É como qualquer outra escola, com alunos e professores, enfim... normal. Não deveria ser?”

Para não deixá-lo sem graça, um riso no mesmo tom escapou de mim na ultima frase. Ele assentiu e abriu uma expressão um pouco confusa quando viramos a rua.

“Porque esta vindo por aqui?”

Eu diminui o ritmo dos passos enquanto olhava a rua.

“Porque eu moro nessa rua, ué.”

“Tá brincando comigo, cara.”

Achei estranho a reação dele. Nós não estávamos andando em nenhuma rua das estrelas e muito menos em uma rua super desvalorizada.

“Não estou. Porque?”

Ele parou em frente a uma casa grande, com as paredes azuis e a observou, sorrindo.

“Muito prazer, vizinha.” Deu outro riso, mas dessa vez com uma empolgação a mais. Eu sorri levemente, tentando entender toda aquela situação. Olhei para o outro lado da rua e avistei minha casa um pouco mais a frente de onde estávamos.

“Ah, moramos na mesma rua, isso é... legal.” Sorri pegando das mãos dele a sacola de refrigerante.

“Não quer entrar,Jully? Nem tem a desculpa de que precisa pegar ônibus, trens e metrôs para voltar para casa.”

Isso me deixou confusa. Das duas uma, ou ele era super simpático e estava querendo ser apenas educado comigo, ou... ah, deixe essa alternativa mesmo.

“Obrigada Christofer, mas hoje não dá. Mesmo, eu não tenho que pegar ônibus e nem nada, mas tenho mil coisas para fazer em casa. Obrigada mesmo, outro dia eu entro, tudo bem?”

Ele entortou um pouco os lábios e mexeu de novo na franja, aquilo parecia mania.

“Hummm, está bem.”

Eu sorri para ele e estendi a mão para me despedir. Ele ficou olhando minha mão estendida, abaixou-a e se aproximou para beijar minha bochecha. Tá, isso foi fofo. Na verdade, ele era fofo. Mas eu não queria perceber isso, pelo menos agora não.

“Tchau, obrigada por ter vindo comigo até aqui.”

Ele sorriu quando voltou a ficar parado na minha frente, me olhando.

“Que isso, nem precisa agradecer, o caminho seria o mesmo, Jully. Até amanhã.”

“Até.”

Eu coloquei as mãos novamente nos bolso, e segui para a minha casa. Quando parei na frente do portão, olhei em direção a casa dele, e rapidamente voltei a me concentrar em abrir o portão quando percebi que ele estava me olhando, ainda. Eu estava no primeiro dia de vida naquele lugar, e já tinha um vizinho querendo fazer amizade comigo. Mais que vizinho, ele estudava na mesma sala que eu, e namorava a primeira e única garota que teve a coragem de vir falar comigo. Qualquer coisa poderia acontecer naquele lugar, e eu já esperava por coisas estranhas no meu caminho. Eu só não previa esquecer John tão fácil.


Capítulo 5

Entrei em casa, peguei minha bolsa que ainda estava no sofá e subi as escadas, com as sacolas do supermercado nas mãos. Quando entrei no meu quarto, coloquei a bolsa dentro do guarda-roupa e tirei o pacote de salgadinhos da sacola.

Abri e deixei-o em cima da escrivaninha junto com a garrafa de refrigerante. Enquanto arrumava o quarto, começando pela cama, comia alguns salgadinhos e tomava alguns goles de refrigerante.

Quando terminei de arrumar o quarto, fui tentar instalar o computador, com um medo tremendo de estragar algo e destruir o único modo de falar por horas com minhas amigas. Depois de mil tentativas de encaixar corretamente todos aqueles fios, consegui ligar o computador.

Juntei os lixos do meu quarto e coloquei dentro de uma das sacolas que estava na escrivaninha. Enquanto o computador ligava, levei os lixos para a cozinha. Votei para o quarto, subindo 2 degraus de cada vez pela escada. Abri o guarda-roupa e peguei um conjunto de moletom que me deixasse confortável. Pelo visor externo do meu celular, pude ver que ainda era 19h32min então me aprontei para tomar um banho. Meus pais chegariam em casa por volta das 22h e por isso eu não tinha muita pressa.

Depois do banho, sentei em frente ao computador e conectei a internet. Isso me deixou com uma felicidade que eu não sentia há algum tempo. Eu precisava conversar com minhas amigas, eu precisava mesmo.

Stefani, Brooke e Cykes. Esses eram os nomes delas. Uma totalmente diferente da outra. Eu me sentia perfeitamente bem com elas, porque elas sabiam o que fazer para me deixar bem. Elas eram como irmãs, aliás, são. Acredito que nem a distância possa mudar alguma coisa entre nós.

Por sorte encontrei todas online quando entrei na internet, e ficamos conversando até meus pais chegarem. Elas fizeram eu me sentir melhor, como sempre faziam. Contei a elas como eu estava nesse lugar e elas me disseram coisas que me fizeram rir, coisas que eu precisava ouvir, só para ter uma força a mais. Eu não pude deixar de perguntar como estava Paul. Elas quiseram me matar por isso, mas eu precisava saber como ele estava. E ele estava bem, pelo que Brooke me contou. Isso não me deixou irritada, mas eu pensei que talvez ele pudesse estar sentindo minha falta, e talvez estivesse chateado por isso. Mas ele estava bem, e isso queria dizer que, bom, ele estava feliz. Quando ouvi meus pais abrindo o portão, tive que me despedir delas. Meu pai não gostava muito que eu ficasse no computador por muito tempo, e do jeito que ele era, capaz que chegaria dizendo que passei o dia inteiro na internet.

Desliguei o computador e deitei na cama com meu IPod. No mesmo instante, pude ouvir minha mãe:

“Filha? Jullie, chegamos.”

Gritei do meu quarto, em um tom um pouco mais animado do que da ultima vez que tinha conversado com ela.

“Oi mãe, tô aqui em cima.”

Ela subiu para me ver como sempre fazia, e meu pai subiu também. Entraram no quarto e vieram me abraçar. Minha mãe se sentou na cama enquanto meu pai andou até a porta e disse:

“Filha, trouxemos pizza. Quer?”

Eu tirei um dos fones do ouvido e sorri para ele.

Ele parecia ter mudado, não sei por qual motivo, mas ele parecia estar mais prestativo. Estranho.

“Não, já comi, obrigada pai.”

Minha mãe ficou me olhando, e ali ficamos conversando, até que ela olhou no relógio e já marcava meia noite. Me desejou boa noite e saiu do quarto, deixando a luz do corredor acesa, porque no escuro eu não conseguia dormir, nunca. Alguns minutos depois, meu celular tocou. Levantei a cabeça pensando que talvez eu pudesse ter me enganado em relação ao toque. Estendi a mão até a escrivaninha para pegar o celular, e no visor estava escrito: Nova Mensagem – John.

Acendi a luz imediatamente e quando abri o celular para ler a mensagem, percebi que estava sorrindo.

“Jully, estou com saudades. Como está? Me dê notícias, por favor, menininha. <3”

Senti um frio na barriga quando terminei de ler. Eu não conseguia tirar os olhos da palavra ‘menininha’. Era assim que ele me chamava quando nós estávamos juntos. Aliás, estávamos juntos? Mudei-me para esse lugar sem saber disso, sem saber se algum dia já estivemos juntos. Lembro-me de quando o conheci na festa de formatura do irmão da Cykes. Ele estava lindo, como com certeza, nunca esteve antes. Ele estava possivelmente perfeito. Quando me lembrava dele, de seus olhos e cabelos escuros como as noites, de sua pele branca como o algodão, e de seu perfume encantador eu sentia muita vontade de abraçá-lo, de sentir seus lábios e sua pele. Nos víamos todos os dias, porque ele insistia em ir me buscar na escola. Ele era mais velho, quando nos conhecemos eu tinha 15 anos e ele tinha 17. Nunca assumimos um compromisso completamente sério, mas todos sabiam que estávamos juntos. Eu não me sentia no direito de obrigá-lo a me dizer quando tinha que sair com os amigos ou com os pais, porque não tínhamos uma relação oficial, mas ele sempre me avisava. Tudo estava indo perfeitamente bem, até ele conhecer Katheryn Madalane. Ela era perfeita. Mil vezes mais bonita e atraente do que eu, e mais velha também. Como qualquer outra, ela se encantou por John. Até então, não tinha como evitar. Ele era lindo, educado, fofo, perfeito, e eu não tinha como prendê-lo só para mim, ele não era completamente meu. E se alguma parte dele já foi minha, essa parte deveria ter ido embora quando ele terminou comigo o que eu não sei se poderia chamar de ‘namoro’.

Poucos dias depois que tínhamos terminado, eu estava com Stefani e Brooke no shopping, quando o vi. Ele e Katheryn. Naquele instante foi como se meus olhos tivessem sido atingidos por oceanos, e não tive como segurar as águas. Eu podia prever aquilo. Ela estava super afim dele, e alguns dias antes de terminar comigo, John estava frio, coisa que ele não costumava ser comigo. Quando Katheryn foi embora, para onde eu não sei, ele ficou algum tempo sozinho e depois veio me pedir para voltar. A vontade que eu tinha era de voltar correndo para os braços dele, mas meu orgulho foi maior. Eu não podia deixar que ele me usasse como estava usando. Senti-me substituta, e isso me deixou bem irritada com ele.


Umas duas semanas antes de eu me mudar para cá, tivemos uma discussão horrível. Não fui atrás dele, e nem ele atrás de mim. Talvez o irmão da Cykes tenha contado a ele que eu havia me mudado, por isso ele sabia que eu não estava mais lá.

Fechei o celular sem respondê-lo e voltei a deitar na cama, mas dessa vez com o pensamento longe. Porque ele me mandou essa mensagem? Porque me chamou de menininha? Ele estaria mesmo com saudades? Eu não queria ficar com o pensamento nessas perguntas, mas eram as únicas coisas com sentido que conseguiam se formar na minha cabeça. Eu estava confusa, bem confusa.


O dia seguinte prometia ser um pouco mais agitado do que o que tinha terminado, e eu não pretendia chegar na escola com olheiras enormes em volta dos olhos. Desliguei o IPod, e depois de alguns minutos consegui finalmente pegar no sono.